domingo, 19 de agosto de 2012

CASA DE BRINCAR EM FOCO




Sugestão de Leitura: Érica Rangel

Este mês na revista Mais Alegria saiu uma reportagem a inspiração de toda a nossa caminhada, Guilherme e consecutivamente sobre a Casa de Brincar.... 
Espero que gostem....

Boa leitura





Um mundo só pra eles.

Eles vivem em um mundo particular, mas não podemos ignorar que fazem parte do nosso. Conheça um pouco do universo dos autistas e de um projeto que trabalha exclusivamente com isso.


Você já observou uma criança distante, de poucas palavras e com comportamento algumas vezes agressivo? Ela pode ser uma criança especial, um autista. Nos últimos tempos temos ouvido falar mais sobre esse tipo de problema que por muitos anos foi confundido com esquizofrenia ou debilidade mental.
O Autismo Infantil foi descrito inicialmente em 1943, por Leo Kanner, um psiquiatra austríaco. Ele publicou a obra que associou seu nome ao autismo: “Autistic disturbances of affective contact”, na revista Nervous Children. Nela Kandir descreveu a condição de onze crianças consideradas especiais, que apresentaram prejuízos nas áreas da comunicação, do comportamento e da interação social. Elas tinham em comum “um isolamento extremo desde o inicio da vida e um desejo obsessivo pela preservação da rotina.”.
Um ano após a descrição de Kandir, outro médico austríaco – Aspergir – descreveu crianças semelhantes, mas que eram, aparentemente, mas inteligentes e sem atraso significativo no desenvolvimento da linguagem. Esse quadro foi mais tarde denominado de Síndrome de Aspergir.
Filmes e novelas já tentaram colocar o autismo em pauta. Mas , segundo os especialistas, na maioria das vezes, o mostraram de forma muito superficial. Algumas pessoas pensam ser apenas um isolamento do mundo ou até mesmo a simples mania de ficar se balançando, porém, o autismo vai muito além disso. Ele não é uma síndrome e sim uma alteração cerebral ou comportamental que afeta a capacidade da pessoa de se comunicar, de estreitar relacionamentos e de responder ao ambiente que a rodeia. Até hoje não existe uma causa específica, apenas suposições. Na verdade, é um leque de possibilidades, sem se descobrir as pontas.
A neurologista infantil Carla Gikovate, Mestre em Psicologia e especialista em Educação Especial Inclusiva , explica que inicialmente era explorada a hipótese de que o autismo era causado por fatores psicológicos e que os pais eram responsáveis pelo surgimento deste quadro por apresentarem um comportamento frio e obsessivo com seus filhos. Com o passar do tempo, essa suposição foi posta de lado pela medicina e atualmente se considera o autismo como uma desordem neurobiologia, apesar de o mecanismo preciso da doença ainda não ser conhecido.
O ponto de maior destaque do autismo é a dificuldade de comunicação. A idéia criada por nós, de que eles vivem em seu próprio mundo, nada mais é do que a defesa deles de não conseguirem interagir da maneira que a sociedade prega ser correta. “O que mais os pais reclamam é da comunicação, principalmente da fala. O autista possui um atraso natural. Além disso, também não utiliza gestos para compensar a falta da fala. Não dá “tchau” e não aponta para o que quer. É nisso que muitos pais começam a observar que seus filhos são diferentes e buscam por ajuda de especialistas”, explica a neurologista.




A realidade do autismo


A doutora Carla também diz que autismo é mais comum do que podemos imaginar, principalmente por existir autismo em diversos níveis, desde os atípicos, que demonstram afeto, conseguem concentração quando direcionados e apresentam mais facilidade para intervenção, até o autismo clássico, em que a disfunção aparece antes dos três anos de idade e a criança tem uma maior dificuldade de interação, no comportamento e na linguagem. Segundo dados da ONU, o distúrbio atinge cerca de 70 milhões de pessoas. No Brasil são dois milhões, sendo que pelo menos a metade não tem diagnostico.
O autismo afeta mais os meninos, na proporção de quatro para cada menina. Segundo pesquisas americanas, atualmente acredita-se que o autismo atinja uma a cada 250 pessoas. Baseado em estatísticas do Departamento de Educação dos Estados Unidos e de outras agencias governamentais, o autismo cresce de 10 a 17% ao ano. Segundo a Associação Americana de Autismo (ASA) estima-se que a enfermidade pode alcançar quatro milhões de americanos na próxima década.





Uma história real.

Como a própria neurologista explicou, com o diagnóstico avançado, casos de autismo são mais comuns que imaginamos. E não importa o credo, a raça ou a condição social, qualquer um está sujeito a ter um autista em casa. Quando se tem mais de um filho, fica ainda mais fácil notar. Os pais sabem bem quando há comportamentos divergentes entre as crianças.
Carla Carvalho notou que seu caçula Guilherme, de onze anos, tinha atitudes diferentes. Mãe de quatro filhos, Ronald de 32, Joana de 28, Marcelo de 31, ela teve Gui com 18 anos de diferença do mais velho e observou que ele era mais calado. Não nos olhava, pulava muito e apresentava comportamentos agressivos, quando ainda pequeno. Com três anos, depois de passar por alguns médicos, ele foi diagnosticado com autismo clássico. Uma nova fase se iniciou na família e principalmente na vida da mãe. Carla viajou em busca de respostas: “eu queria conhecer os tratamentos, saber as causas e o que fazer com meu filho”.
Guilherme é um caso raro entre os autistas brasileiros, ele nasceu em família que tem condições financeiras, culturais, além de disposição, coragem e Fé para enfrentar o distúrbio.
Para a família ter uma rotina e conseguir lidar com algumas situações precisou de muitas renuncias a adaptações. Carla decidiu se dedicar mais ao filho, sabendo que este precisava de cuidados redobrados.
Após muitas pesquisas Carla optou por usar medicamentos homeopáticos no tratamento de Guilherme, decisão que até hoje vem dando certo, contudo tem consciência que caso um dia seja necessário, sua opção terá que ser revista. Atualmente o tratamento é baseado no método SonRise, que é fundamentado na aceitação e respeito a essas crianças que tanto nos ensinam, dando-lhes a confiança necessária de experimentar o mundo e as pessoas a seu tempo. Este método foi criado na década de 70, em decorrência da experiência que Bears e Samahria Kaufman tiveram com o filho, Raun Kaufman, diagnosticado com autismo severo e revertido com o esforço, paciência e amor incondicional de seus pais.
As intervenções do método SonRise fazem Gui ter uma rotina, uma necessidade de alguns autistas, pois demonstram grande desconforto diante de mudanças no dia a dia, simplesmente pelo fato talvez, do medo do desconhecido. Os autistas fazem questão de repetir diariamente suas ações. Se transitam na rua, caminham na mesma calçada, querem pegar o mesmo transporte, etc. Esses comportamentos não se aplicam a todos, e mesmo quando existentes, podem ser modificados com amor, carinho e intervenções adequadas.
Apesar de todos os tratamentos, Guilherme tinha alguns comportamentos agressivos, e era o que mais doía em sua mãe. ”Sua dificuldade em se expressar, fazia com que tivesse comportamentos autoagressivos, como também a quem estivesse próximo”. Isso sempre me doeu muito, e ainda hoje, mesmo com uma melhora muito significativa, ainda me entristece. Mas tenho Fé em Deus e sei que tudo dará certo. Não podemos fantasiar dizendo que tudo é lindo. "Grande parte do tempo é de dificuldade, mas somos sempre surpreendidos com atitude de amadurecimento e carinho por parte dele, o que nos faz seguir em frente com alegria e otimismo.”
Dos três aos seis anos Guilherme apresentou evolução e respostas aos estímulos. Sempre cercado de profissionais com total dedicação, o que facilitou até mesmo a adaptação dele na escola. As crianças com autismo aprendem em seu próprio tempo e utilizam o que aprenderam apenas no momento que precisam, ou quando o que aprenderam faz parte da realidade deles. Carla, junto com seu marido Ronald de Carvalho, criou o Espaço Educacional Casinha do Lago, uma escola inclusiva dentro do espaço da Metalúrgica Barra do Piraí, que funcionou por oito anos, encerrando as atividades em 2011. A escola atendia a crianças neuro típicas, e com necessidades especiais. Guilherme frequentou a escola dos três aos sete anos.
Entretanto, aos sete anos, Guilherme começou a apresentar insatisfação em ir à escola, e a ter comportamentos ainda mais agressivos. E desde então, está em casa, demonstrando grande alegria e crescimento, e deixando claro que o mundo lá fora o amedronta. Gui é feito de fases e eu as respeito. Preciso ajudá-lo a vencer seus medos. Ele tem o tempo dele e é muito bem assistido e cuidado por profissionais, e principalmente tem o amor de sua família, declara a mãe.
Hoje Guilherme possui rotinas que incluem tratamentos na parte da tarde de segunda a sexta-feira, todo fundamentado na metodologia SonRise. De acordo com a mãe, este período em casa, ajudou Guilherme a ter mais flexibilidade, diminuir as agressões, ter mais contato visual, o que conseqüentemente o deixou mais comunicativo e feliz. Guilherme é assistido por fisioterapeutas e fonoaudiólogos, terapeuta ocupacional, educadores físicos e recreadores, que criam um ambiente lúdico para trabalharem com ele. Os profissionais fazem parte da equipe do projeto chamado Casa de Brincar, que trabalha com famílias de crianças com autismo.
Um sintoma de grande impacto na vida dos portadores de autismo é a hipersensibilidade sensorial. Muitos autistas descrevem o quanto os sons molestam seus ouvidos ou o quanto um leve cutucar no seu corpo pode ser desconfortável.
Cortar cabelo para eles parece dor física, por isso eles evitam, em alguns momentos, contatos, abraços e sons agudos.
Carla viveu um bom tempo vendo o filho sofrer com o apito do trem que passa próximo a sua casa. Uma das modificações feitas na casa foi à colocação de vidros antirruídos transformando a casa em um enorme aquário, protegendo Guilherme dos apitos e barulhos externos. Depois de algum tempo Gui foi aceitando e explorando alguns espaços da casa, um deles era o quintal, mas quando o trem passava, ele se sentia muito mal e alterava seu comportamento.
Ela explica que essa foi uma das piores fases do filho, dada a sua hipersensibilidade auditiva.
Entre tantas dificuldades e sensibilidades, Carla conta uma curiosidade do filho: “Guilherme gosta muito de dormir com um pijaminha de malha e com lençol de lycra”. Isso tem explicação, a Dra. Carla Gikovate esclarece que os autistas possuem problema com tatos, inclusive com alguns tecidos, “muitos deles provocam sensações ruins, até mesmo dor, o que faz eles escolherem tecidos favoritos”, diz ela.
Outra coisa curiosa é o fascínio de algumas crianças por objetos que rodam como CDs e ventiladores, etc...  Também podem gostar muito de música. No caso de Guilherme, ele não gosta dos sons de instrumentos musicais, apenas de melodias especificas.
Podem ter habilidades específicas, como também, significativa memória visual. “Mesmo as crianças muito pequenas memorizam caminhos, organização espacial dos objetos na casa e relatam que conseguem memorizar filmes inteiros”, fala a neurologista Carla Gikovate.
A mãe lembra um episódio inusitado, quando Guilherme ainda com um ano e meio de vida: “Eu estava instalando um programa educativo no computador, quando o telefone tocou e interrompi a instalação, quando voltei para o computador o programa estava instalado. Guilherme instalou o programa seguindo instintos. Foi surpreendente”, relembra.


A Casa de Brincar

A Casa de Brincar nasceu em março de 2012, como um projeto experimental, no mesmo espaço em que funcionava o Espaço Educacional Casinha do Lago, na Metalúrgica Barra do Piraí, mas com algumas adaptações. Carla e os profissionais que atendem Guilherme em casa observaram a necessidade de auxiliar as famílias de autistas já participantes do Grupo Cata Vento. O projeto atende dez famílias – apoiando aos pais nas dificuldades e promovendo a inclusão familiar.
As atividades acontecem durante a semana em horários específicos para cada um, o projeto funciona três dias por semana, no período integral. As crianças passam por uma avaliação, em que a equipe as direciona para as oficinas em que melhor se encaixem (movimento, natação, musica, integração sensorial e quarto de brincar) Elas freqüentam de duas a três oficinas por semana, com a duração de uma hora cada, com hora marcada, individualmente, sempre no contra turno escolar.
O projeto trabalha com a inclusão familiar, sendo assim, as oficinas não são direcionadas somente para as crianças, mas também e principalmente para a participação dos pais com as crianças e com momentos só para os pais, como a oficina Sem Glúten, em que são ensinadas receitas saudáveis para as mães fazerem para seus filhos; a Oficina de Estilo, que desenvolve moda trabalhando a autoestima desses pais e até mesmo festas de confraternização.
Segundo Erica Messias Rangel, a coordenadora técnica, de três em três meses acontecem reavaliações para saber da necessidade de acontecerem às trocas de oficinas. “A meta da Casa de Brincar é essa inserção da família no contexto da vida da criança, para isso utilizamos a brincadeira para alcançar as duas partes”, explica à coordenadora.
As crianças são envolvidas em atividades que estimulem seu desenvolvimento, como a Oficina do Movimento, que além do brincar como principio básico da interação, estimula a criatividade e a percepção dos movimentos, respeitando os gostos e limites individuais da criança. Tem também a sala de interação sensorial, que trabalha com as sensações, e a Oficina de Natação.
Carla é a coordenadora geral, no entanto, não está muito presente no projeto, pois se dedica mais a Guilherme. Mas está sempre por perto. “Guilherme é nosso maestro e inspiração, mas cada criança da Casa de Brincar é um ser único e maravilhoso a ser descoberto. E suas famílias, seu grande porto seguro.” explica.
A Casa de Brincar é cuidada por treze pessoas, entre profissionais e voluntários, além de Érica Messias e Érika Muller de Carvalho, essa coordenadora das oficinas, que têm como foco principal os pais das crianças autistas, mostrando a eles que é possível descobrir uma forma nova e bela de viverem suas realidades.
Os pais são inseridos nas oficinas com as crianças, para juntos aprenderem não só a lidar com os filhos, mas como brincarem com eles. ”Um exemplo é a oficina de natação. O pai que está com o filho na piscina, aprende seus limites e sua motivação, brincam e se divertem. É  muito edificante ver a evolução dos pais com seus filhos”, conta Érica Messias.




Um grupo de auxilio aos pais.

Carla é uma mulher de fé, o que já se observa com seu exemplo de vida.
Juntamente com sua equipe, coordenadas pela experiência de Nilce Belchior e com objetivo de oferecer a esses pais uma ajuda além, criaram um grupo que se reúne de quinze em quinze dias para trocar experiências, forças e esperança e amenizam problemas comuns.
O grupo Cata Vento estreou na Cripta de Igreja São Benedito no centro da cidade de Barra do Piraí. Baseado na filosofia do Grupo de familiares dos Narcóticos Anônimos (Nar-Anon). ”O grupo Cata Vento foi desenvolvido para dar ajuda espiritual para essas mães, pois sabemos que é o equilíbrio de tudo. A fé em Deus e o cuidado mutuo transforma vidas, e já podemos ver isso no rosto de cada mãe”, conta Carla.
O nome Cata Vento foi dado por Rodrigo Pena, amigo próximo da família, que com sua sensibilidade, depois de alguns relatos chegou à seguinte definição: “O Cata Vento foi utilizado como símbolo e também nome do grupo por se tratar de um objeto que reage à ação de algo que só sente (o vento). Os pais de autistas aprendem a serem cata-ventos, percebendo e reagindo a mais leve brisa lançada por seus filhos. O grupo se forma para apoiar familiares e se tornar visível a quem está distante ou não consegue sentir o vento.”.
O grupo é laico e não possui ligação com nenhum movimento político, organização ou instituição. Para Carla, “o propósito primordial é o de nos manter unidos e ajudar-nos uns aos outros... Hoje, os problemas podem até ser os mesmos, mas dentro de nós houve uma mudança. Acendeu uma chama que nos faz continuar a lutar com esperança, porque quando nos cuidamos ou somos cuidados, podemos cuidar melhor do outro”. diz Carla.


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